Livre_expressao

sábado, julho 23, 2016

Porque eu sou Feminista


Eu poderia trazer um milhão de motivos para responder a esta pergunta, mas resolvi contar as minhas histórias.
Eu podia trazer discursos óbvios, porém ainda importantes, eu poderia falar de casos que vimos pela TV, ou de exemplos que vem de países árabes / africanos. Eu podia contar histórias de amigas minhas, eu poderia simplesmente indicar links e artigos já publicados na internet.

Mas ainda, vou começar pela minha história.

Eu sou feminista desde criança. Não porque eu sabia o que era feminismo, mas porque eu percebia a desigualdade, e só achava injusto, e reclamava disso.
Pequena ainda, antes de completar 5 anos de idade, fui abusada sexualmente, sem ter nem ideia do que estava acontecendo. Só me dei conta disso muitos anos depois. Essa história, eu prefiro não detalhar.

Aos doze anos, eu e minha amiga descobrimos que éramos sócias do mesmo clube. Felizes, fomos passar juntas o dia na piscina. O que era para ser um passeio muito legal e divertido, na verdade foi uma tarde esquisita. Homens mergulhavam bem perto da gente, e ao nadar, esbarravam na nossa bunda. Eu tinha 12 anos, e não entendi direito, tive a sensação de que o clube não era legal, porque a piscina era muito “cheia de gente”, mas hoje eu sei, havia espaço suficiente para todo mundo. Estávamos sofrendo uma forma de abuso sexual. Nunca mais voltei ao clube.

Aos treze anos, um velho, de bengala, passou por mim e me chamou de puta, em italiano. Porque eu usava short e meia calça. Aos treze anos.

Aos catorze anos, minha amiga chegou machucada na escola. Com alguma insistência, ela me contou que o namorado havia batido nela. Vi esta cena se repetir com outras amigas adolescentes. E aos 20 anos isso aconteceu comigo também.

Aos oito anos da idade, numa semana de calor infernal, fui à escola, na segunda série, com a camiseta da escola e uma saia, de tecido xadrez e rendinha na bainha, que a minha avó tinha feito para mim. A saia ficava na altura dos joelhos, e nada poderia ser mais infantil, singelo e caseiro do que aquela saia. O tempo virou e eu comentei com o inspetor da escola que eu estava com frio, e o que eu ouvi foi “Bem feito. Quem mandou vir de saia para mostrar as pernas pros meninos.”

Com quatorze anos, fui a uma festa na praia, num sábado à noite. Um cara mais velho, mais alto, mais forte, apalpou minha bunda. Olhei para ele brava, e ele ameaçou me bater.

Aos dezesseis, andando pela Avenida Paulista num sábado de manhã, um cara passou de bicicleta e tascou a mão na minha bunda, e levantou minha saia. Continuei andando pela rua, chorando. Ao contar para um amigo o que havia acontecido, ele me disse “Puxa, se eu fosse mulher e passassem a mão na minha bunda, eu ia gostar. Sinal de que eu sou gostosa.”
Durante a faculdade de cinema, ao decidir que queria dirigir meu próprio curta metragem, ouvi de um amigo “Que história é essa? Você está muito independentezinha, hein?”

Trabalhei como secretária e meu chefe disse que “eu podia treinar fazer umas massagens nele”. Trabalhei como professora, e o dono da escola me ofereceu carona e pousou a mão na minha coxa durante a viagem.

Fui à Argentina, e um homem passou a mão na minha perna, dizendo que sabia que mulheres brasileiras eram todas putas.

Trabalhei como garçonete na praia, e um cliente queria me pagar a conta colocando o dinheiro no meu decote.

Trabalhei como garçonete em uma chopperia e um cliente deu um tapa na minha bunda depois que me virei para buscar seu pedido. Ao dizer ao dono da chopperia que eu não atenderia mais aquela mesa por causa disso, ouvi “Ah, pare com isso, um tapinha não dói.”

Uma vez fui ao médico para um exame. O médico estava sozinho em seu consultório. Quando eu entrei, ele me olhou da cabeça aos pés antes de dizer que iria me atender. Na hora de checar meu peso, passou a mão nos meus seios.

Aos dezenove anos, um homem casado me convidou para passar a noite com ele. Disse que não tinha o mínimo interesse em sair com homens casados. Ele disse que eu era patética.

Apanhei aos onze anos, de um colega de sala. Ele bateu na minha cara, porque eu contei à professora que ele estava me chantageando. Ele queria que eu pagasse um Halls para ele, e em troca ele devolveria uma peça importante de uma máquina eletrostática que eu utilizaria na apresentação da feira de Ciências.

Sou simpática, sorrio muito e me comunico facilmente com pessoas que não conheço. Quantas vezes fui mal compreendida por homens que achavam que eu estava dando bola para eles porque havia cumprimentado, comentado algo ou dado um sorriso.

Uma vez, levei meu namorado para jantar em um restaurante que eu conhecia. Escolhi o prato e paguei a conta. O garçom perguntou indignado ao meu namorado se “era normal eu fazer a escolha e pagar no final”.

Fui trabalhar às seis da manhã, enquanto meu marido ficava em casa cuidando da nossa filha, em um sábado de chuva. O taxista perguntou “que negócio é esse do marido ficar dormindo enquanto a mulher vai trabalhar.”

Se estou ao lado de um amigo, ou do meu marido, os garçons mal olham para mim, mesmo quando eu faço um pedido ou uma pergunta, os garçons teimam em responder olhando para o homem que me acompanha. Eu me sinto ignorada nestas situações. Uma vez comentei isso com um amigo, e ele me disse “Ah, mas eu entendo. É sinal de respeito.” Respeito por quem? Porque ser ignorada é um desrespeito, na minha concepção. Mas ninguém se importa com o que as mulheres sentem, ou pensam. São apenas mulheres. O diálogo deve ser feito entre os homens, que supostamente, devem comandar a situação, ao menos aparentemente.

Comentei com um colega que estamos no século XXI, que não podemos ignorar discussões sobre igualdade. O que ele me disse? “O brasileiro passa fome. Precisamos primeiro cuidar disso, daí então pensamos em igualdade.” O que uma coisa tem a ver com a outra? Quem se importa?

Por que eu sou feminista? Porque eu tenho que ser. Porque eu tenho que estar do lado das mulheres. Porque estamos sozinhas na luta. Porque poucos homens entendem isso. Porque culturalmente quase todo mundo é machista, sem nem perceber isso. Porque aprendemos desde pequenas que somos inimigas e rivais umas das outras e que o melhor que pode nos acontecer é encontrar um bom marido, nem que para isso tenhamos que destruir amizades com outras mulheres.

Porque crescemos acreditando que precisamos de um homem para nos completar, que solteiras estamos em desvantagem, que temos que desejar ser mães. Que se um homem também assume funções de cuidado com os filhos, eles estão nos ajudando, porque a função mesmo, é nossa. Assim como a casa e o fogão.

Sou feminista porque sofri praticamente quase todos os tipos de violência por ser mulher. E tive que lidar com a culpa, pela roupa que escolhi, pelo lugar que freqüentei, pelo jeito que um namorado me tratava, pela forma que ri, pelo tom que falei, pela pose das minhas pernas. Pela mensagem que não transmiti, mas ele fez questão de entender. Culpa.

Sou feminista porque devo defender meu gênero, meu sexo, a autonomia em lidar com meu próprio corpo.

Porque não posso achar normal que todos estes homens que tocaram meu corpo sem minha permissão ou consentimento, tinham direito a isso. Não posso achar normal que façam piadas sobre as mulheres serem fúteis, burras, inimigas, traidoras ou interesseiras. Não posso achar normal o turismo sexual incentivado pela mídia do meu país.

Porque vivemos na cultura do estupro. Porque mulheres morrem em países do Oriente Médio porque foram vendidas a seus maridos aos oito anos de idade, e não sobreviveram à lua de mel, e isso é considerado “triste, mas normal”. Porque em muitos lugares do mundo, a vida de uma mulher não vale nada. Porque 48% das mulheres agredidas declaram que a violência aconteceu em sua própria residência. Porque aproximadamente 40% de todos os homicídios de mulheres no mundo são cometidos por um parceiro íntimo. PORQUE A CADA 11 MINUTOS UMA MULHER É ESTUPRADA NO BRASIL. E principalmente porque há tantos motivos que não caberia num só texto.

Não acho o machismo natural. O machismo machuca, fere, traumatiza e mata. O feminismo liberta.

A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER COMEÇA COM O DESRESPEITO.

É por isso que eu sou feminista. E quanto a você, deveria ser também. Não faltam motivos.

Texto e Foto: Ariadne Catanzaro

2 Comments:

Blogger Sue said...

Fantástica, você. Arrepiei aqui. Li e releria. Compartilho de todo esse feeling. Você é sempre WOW!

Parabéns por seres assim. Assim mesmo como uma mulher pode e ser. Livre, sensível e forte.

Mil beijos

7:06 PM  
Blogger HB said...

Lindo, Adi. Eu tenho muito orgulho de vc. Sempre tive e continuo tendo. Vc manteve a sua essência e amadureceu muito. Te adoro minha amiga. Bjs. Haa

4:02 AM  

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