Livre_expressao

sexta-feira, novembro 24, 2006

Pouco barulho por nada

Estavam de frente um pro outro sem dizer uma palavra.
Ela mexia no cabelo.
Ele coçava a barba.
Olhavam-se fixamente.
Coisa mais absurda.
Ele nunca quis conversar sobre aquilo.
Ela puxou o assunto e quase se arrependeu depois.
O clima estava criado.
Ele estava desconfortável.
Ela estava desconfiada.
Os dois em silêncio.
Ela tinha falado demais.
Ele tinha feito de menos.
Ela tinha tentado demais.
Ele tinha afrouxado de menos.
Ela tinha pensado demais.
Ele tinha se preocupado de menos

Já não se entendiam mais.

- Então é isso?
- É isso.

E saíram sem se despedir.
Ela arrependida demais.
Ele a amando nada menos.
E por tão pouco
Não olharam para trás.


Ariadne Catanzaro

sexta-feira, novembro 17, 2006

Confira um dos curtas de Coffee and Cigarettes - Iggy Pop e Tom Waits

Para você que ainda não viu o filme, clique agora e assista um dos curtas.

http://www.youtube.com/watch?v=3dnedkggg3k

Bom feriado para quem está em São Paulo. Bom fim de semana para quem não está.

quinta-feira, novembro 09, 2006

Uma pausa para degustar Coffee and Cigarrettes

O cinema americano independente sempre exerceu sobre mim um certo fascínio, exatamente por fugir daquilo que Hollywood valoriza, apresentando linguagens e narrativas diferentes das que estamos habituados a acompanhar.

Coffee and cigarrettes é um desses filmes estranhos, que faz a platéia rir em alguns momentos, sentir-se entediada em outros e ainda assim sair do cinema com sentimentos opostos de ódio e amor pela obra. Sem meio termo. Caso não haja estes extremos, ao menos um estranhamento o espectador sente ao deixar a sala.

O longa metragem é uma série de 11 pequenas histórias, tendo a nicotina e a cafeína como o principal fio condutor. Com informalidade e irreverência, o projeto de Jim Jarmusch teve início em 1986, quando fez o curta metragem Strange to meet you, estrelando Roberto Benigni e Steven Wright com cigarros, café e um diálogo nonsense.

Todas estas histórias têm em comum a direção de arte e a fotografia, sintonizadas em preto (representando o café) e branco (representando o cigarro), hipocrisia social, cultura pop, muita fala em diálogos absurdos, pouca ação, e o minimalismo através de uma estranha celebração a vícios não muito saudáveis. Tudo acompanhado de uma trilha sonora refinada e de muito bom gosto, que inclui funk, jazz e rock'n'roll.

As situações criadas pelo cineasta polonês/americano, abordam o tudo e o nada. O café e o cigarro preenchendo constrangimentos nas relações humanas, e os assuntos variam desde idéias como sorvetes de café, Elvis Presley, a maneira correta de preparar um chá inglês, Paris nos anos 20, Abbott & Costello até a nicotina enquanto veneno para insetos. Conversas triviais, durante uma pausa para o consumo destas iguarias.

Discussões divertidas, outras nem tanto, porém, brilhantes atuações. Participações como a de Iggy Pop, Tom Waits, Renée French, Cate Blanchet, Meg e Jack White (membros da banda White Stripes), Bill Murray, os rappers RZA e GZA entre outros músicos/atores, que interpretam na maioria das vezes eles mesmos, em discussões rodeadas de xícaras de café e cinzeiros lotados. O ponto forte do filme é o encontro de Alfred Molina e Steve Coogan, no curta Cousins?, onde sentimos fortes pontadas de hipocrisia e desprezo disfarçado.

Apesar dos diferentes diretores de fotografia, a obra mantém uma estabilidade estética muito detalhista nas posições de câmera: planos gerais, planos médios e planos sobre a mesa.

Jim Jarmusch, atraído por momentos não necessariamente dramáticos da vida real, construiu durante 17 anos, um quebra cabeça que pode ser montado a gosto do espectador. Os filmes se relacionam a partir da falta de comunicação e pequenos ressentimentos, como repetições de um refrão. Embora exista um roteiro a ser seguido, o espaço para improvisos é evidente. Jarmusch nos possibilita um sentimento de voyeurismo ao observarmos cenas estranhamente cotidianas, com imensos contrastes entre o claro e o escuro, a razão e as necessidades, as neuroses e as reações.

Um longa metragem recortado em onze curtas que quase sacia nossas ausências, mas ainda nos deixa com aquela sensação prazerosa momentânea de um cigarro aceso e um café quente, e as duas fumacinhas se misturando diante de nosso nariz. Vale a pena degustar.

quinta-feira, novembro 02, 2006

Pão, alface, salame e orégano

Sentei na calçada para comer meu sanduíche.Pão, alface, salame e orégano. Ela sabia como preparar meu sanduíche. Mãezinha. Já velhinha velhinha... E o melhor sanduíche da face da terra.
Não tinha dado tempo de eu efetuar a primeira abocanhada quando ele sentou do meu lado.
Ficou olhando. Eu estava de boca cheia. Um pedaço de alface tinha ficado para fora. Engoli rápido na tentativa de acabar com a cena cretina.
- Que tá olhando?
- Tá bom o sanduíche?
- Tá, por que?
- Dá um pedaço?
Porra, meu almoço, lá se vai...
- Tó.
Ele mordeu. E que mordida. Mastigou calmamente. Me devolveu o sanduíche.
- Credo, tem orégano?
Fuzilei com o olhar. Dei outra mordida.
- Cê não bebe nada enquanto come?
- Não, por que?
- Por nada.
Não falamos mais nada até acabar o sanduíche. Me levantei. Tirei um cigarro amassado da pochete. Risquei um fósforo, soltei a fumaça e o vento se encarregou de carregar a fumaça para a cara dele.
- Dá um cigarro?
- Só tenho mais um.
- Não tem importância.
E riu.Eu não respondi. Passei meu cigarro para ele dar uma tragada.
Enquanto ele fumava lembrei da gente no último sábado. Envoltos em braços, abraços, saliva, pêlos, cabelos e suor. Pisquei pra acordar. Ele me devolveu o cigarro.
Fumei até o filtro. Ficamos em silêncio. Alguém gritou meu nome. Me despedi com um beijo no rosto dele.
- Hora de trabalhar.
- Cê não vai nem tomar um café?
- Não tomo mais café.
- Desde quando?
- Desde sábado.
- Ah tá.
Saí andando no meio da construção.
Não olhei pra trás, mas sei que ele ficou me olhando.
Ariadne Catanzaro