Livre_expressao

sexta-feira, dezembro 29, 2006

Super-ego

Bêbado eu?
Cala a boca. Eu só bebo de vez em quando.

Mas bebe muito. Bebe até cair.

Imagina. Bebo duas cervejinhas e tô sossegado.

Duas??? Duas o que? Duas dúzias, né?

Cala a boca. Eu bebo pouco.

E no Natal?

Ah, era Natal. Champagne, vinho, cerveja, licor... cada hora alguém te oferece uma coisa diferente.

Mas você se dispôs a fazer caipirinha. Ninguém queria, você já estava bêbado.

Bêbado nada. Você que acha que eu estava bêbado.

Sim, eu que acho. Caiu no final da festa porque estava sóbrio, né?

Caí porque o chão estava molhado.

Estava molhado de cerveja que você derrubou!! Você estava bêbado, você está sempre bêbado.

Puta que pariu, que conversa chata.

Chato é ter que conviver com um bêbado.

Pena que não consigo me livrar de você.

É mesmo. Tá difícil.



Se encararam por alguns minutos.
Resolveu parar de discutir. Saiu de frente do espelho, vestiu um casaco e foi embora.



Ariadne Catanzaro

quarta-feira, dezembro 27, 2006

Tapete

Ela não queria que ele a tocasse.
Prendeu os cabelos e sorriu desajeitada.
Ele notou o desconcerto e levantou para preparar um drink qualquer.
Para ela, trouxe suco de limão.
Aguado
Mas ela tomou mesmo assim.
Conversaram ainda por alguns minutos.
O gato se enroscou na perna dela
Ela assustou
E riu desajeitada.
Ele colocou uma música
E a tirou para dançar.
Ela queria morrer de vergonha
Mas aceitou o pedido
E pisou poucas vezes em seu pé.
O gato se ajeitou no sofá e ficou observando.
Ao acabar a música ela deu um gole grande do drink dele.
Whisky.
Ele olhou e riu.
Ela se sentiu quente a voltou para o sofá.
-De jeito nenhum. – disse ele, enquanto a puxava pelo braço.
Dançaram mais umas três músicas
Ela bebeu mais uns cinco goles do drink.
O gato já não estava mais no sofá
Então se desequilibraram
Ela já não tinha mais vergonha
Caíram no chão
E dançaram no tapete
Uma dança com ritmo variado
De tirar o fôlego e assustar o gato.
Ela ficou suada
E soltou o cabelo
E já pouco importava o desajeito.
Pedia mais e ria acelerada.
Deu uma canseira nele
E dormiu sorrindo no tapete.



Ariadne Catanzaro

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Rugas

É de laço vermelho
O cinto do vestido.
Envolve sua cintura delicadamente
O vermelho-cetim dos lábios-criança

O que ele quer com ela?
Ela nem imagina
Sorri e dança coreografadamente
Enquanto a luz azul do televisor ilumina sua pele

O sapato é de verniz preto
Com fivela perto do tornozelo
Tem pequenas pernas grossas
Escondidas em meia-calça rendada

Ele a observa instintivamente
Doente, num instinto de gente grande
Que ela nem imagina

Ele está de costas para a TV, decadente
Nem se assusta com suas malícias

Ela nem imagina
E não compreende os carinhos estranhos
De tão calado tio.
E de angústia em angústia
O laço se solta
E os lábios-criança se fecham

Distrai-se para não pensar em nada
Continuamente a incompreensão
O vazio cresce
E o tio sorri
Amamentado de sua indecência.

As rugas em volta da boca do tio
Na mente flutuam ainda por muito tempo.
Cachorro.

Ariadne Catanzaro

terça-feira, dezembro 12, 2006

Amavisse

(...)

Descansa.

O Homem já se fez

O escuro cego raivoso animal

Que pretendias.


Hilda Hilst, Amavisse

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Quinta à noite

Ele ligou na quinta.
- E aí? Vamos tomar um vinho?
Vinho já dizia tudo. Sem sombras de dúvida.
Fez até um doce. Mas aceitou sem ele precisar insistir muito.

Desligou o telefone enlouquecida. Quase deixou cair no chão enquanto o apoiava entre o ombro e a bochecha e tentava desesperadamente alcançar um cigarro e um isqueiro dentro da bolsa. E queria na mesma hora ligar para todas as amigas.

Ok. Acalmou.
Sorriu empolgadíssima. Voltou a apertar o passo. Precisava dar tempo de fazer depilação, escova e escolher a roupa. Apertou tanto o passo que enfiou o salto num buraco daquela calçada maldita e virou o pé. Merda! Se recompôs, correu pra pegar o ônibus. Com classe.

Chegou em casa totalmente descabelada. Correu pro chuveiro.
Tomou aquele banho de uma hora.
Foi se arrumar. Nesse momento ela sabia ser letal. Escolheu uma lingerie de fazer inveja à Vênus.
Colocou um vestido básico, com decote estratégico.
Passou rímel e delineador. Colocou um salto fino e escolheu a bolsa que combinava. Uma última olhada no espelho, ajeitou o cabelo. Lindo. Passou o batom como um ato de ponto final.

Olhou o relógio. Ele já estava atrasado 10 minutos. Voltou pra frente do espelho.
Linda.
Olhou pela janela. Ninguém na rua, nenhum carro dobrando a esquina. Olhou o celular. Nenhuma chamada não atendida.
15 minutos atrasado. Desencanou do batom e acendeu um Marlboro.
Amassou o filtro no cinzeiro. 30 minutos. Ligou o rádio.
Andou de um lado pro outro.
45 minutos. Outro cigarro.
50 minutos. O celular tocou. Deu um pulo.

Imprevisto. Ele falou em um imprevisto. Respondeu que tudo bem com um ar blazé.
Desligou o telefone enlouquecida. Quase deixou cair no chão enquanto o apoiava entre o ombro e a bochecha e tentava desesperadamente alcançar um cigarro e um isqueiro dentro da bolsa. E queria na mesma hora ligar para todas as amigas.

Voltou pra frente do espelho. Amaldiçoou todos os homens do mundo.
Chamou um táxi, foi à casa da melhor amiga, mas passou antes na loja de conveniências e comprou duas enormes barras de chocolate de fazer inveja aos pacientes do “Vigilantes do peso”. A noite ia ser longa!


Ariadne Catanzaro

domingo, dezembro 10, 2006

Aconteceu um dia desses...

Acordei mal humorada.
Acendi um cigarro e fui passar o café.
Meu compromisso era dali a cinco minutos, e este atraso já me deixava estressada.
Tomei meu café em paz, sem me aborrecer com a uma certa culpa ainda latente.

Desisti do compromisso, arrumei a cama, lavei a louça, coloquei o lixo para fora.
Troquei de roupa, fiz uma trança no cabelo, contei o dinheiro e peguei um ônibus.
Desci três pontos depois, em frente ao shopping.

Já senti um cansaço. Odeio shopping. Odeio vitrines, odeio a música de fundo, odeio multidões. Odeio filas. Odeio tudo aquilo. Mas tudo bem, um desconto para o meu mau humor. Arrumei a bolsa no ombro esquerdo e subi os três degraus da entrada principal do shopping.

Fui direto para as Lojas Americanas. Putz, que multidão dos infernos!
Fui na sessão de cama, mesa e banho. Achei tudo caro.
Escolhi um bom jogo de lençóis e um bom jogo de toalhas. Dentro do que eu podia pagar. Acomodei com cuidado dentro da cestinha de plástico vermelha.

Peguei uma fila gigante para pagar.
Cheguei no caixa, disse “Bom dia” e ele não respondeu.
Passei a compra. Mais de cem reais.
Passei o cartão de débito.

Saí feliz, se podemos dizer assim, feliz, pela compra.
Até pensei em olhar um vestido em outras lojas, mas me deu uma preguiça, tantas sacolas na mão...
Então peguei um táxi. Paguei dez reais. Com moedas, que estavam a pesar no meu porta-níquel.

Não pensei mais no compromisso que eu havia perdido.

Lençóis novos sempre melhoram meu humor.
Tomei um longo banho, usei minhas novas toalhas.
Senti que aquilo era suficiente.
Passei o resto do dia diante da televisão.
Foi isso.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Bete

A primeira vez que ele a viu foi na praia. Ela usava a parte de cima do biquíni verde, um shortinho vermelho, uma sandália branca de plástico em formato de sapato de boneca, a pele bronzeada, o cabelo tingido de ruivo e grandes olhos pretos. Incríveis as cores daquela moça, ele pensou.
Ela caminhava rebolando, sem dar bola nenhuma para ele.
Ele, sentado em uma cadeira de praia alugada, uma lata de cerveja na mão, óculos escuros, barriguinha típica da meia idade.
Ela passou, deslumbrante. Nem deu bola.

A segunda vez foi na farmácia. Ela de óculos escuros, cabelos presos num coque, vestido bege longo e as mesmas sandálias brancas de plástico. Ele comprava aspirina e ela, um bronzeador.
Aproximaram-se do caixa, ele cedeu a vez com um olhar de galã. Ela agradeceu com um gesto de cabeça e passou na frente dele. Ele passeou com os olhos pelas costas desnudas da moça. Belas costas, bem desenhadas. Continuou a passear os olhos, focando agora seu belo e largo quadril. Ela parecia sentir o passeio, e como se para provocar, ajeitou delicadamente a calcinha. Deu pouco menos que um passo a frente, e pôde sentir o perfume de hidratante de pitanga, que ele não conseguiu identificar logo de cara. Ela pagou e saiu. Rapidamente desapareceu na avenida.

Na terceira vez ela estava num bar, sentada sozinha, tomava um troço colorido, daqueles que vem com um guarda-chuvinha e uma cereja espetada num palitinho.
Ele pensou em se aproximar. Sentou em uma mesa ao lado, pediu um chopp. Que velho idiota eu sou, pensava ele. Aquela mulher-monumento ao lado, e ele com medo de dizer oi, de oferecer uma bebida, perguntar o nome ou qualquer outra maneira de se começar uma conversa.
Só que dessa vez ela olhou para ele. Ela estava maquiada e linda. Mais linda e provocante do que nunca.

- Gosta de sex on the beach? – Disse ela, com forte batom vermelho nos lábios.
- Como? – esforçou-se para não gaguejar.
- O drink, sex on the beach?
- Ah… então, eu gosto de cerveja.

Ele já estava suando, se sentindo o homem mais frouxo do mundo. Com medo daquela deusa-ruiva-tingida de forte batom vermelho. Mas respirou fundo e disse com voz firme:

- Posso me sentar com você?
- Pode.
- Meu nome é Jaques.
- O meu é Bete.

Bete! Deve ser Elisabete, que mulher! Que nome!

- Se importa se eu for rapidamente ao toilet?
- Imagina, Bete, fique a vontade. Eu peço uma bebida para você enquanto isso.
- Sex on the beach – disse enquanto se levantava.

Ele passeou os olhos novamente no corpo da moça. Quantas curvas, quantas cores. O sapato não era mais de plástico. Tinha salto, mas não muito alto. A calça jeans justa e o top azul royal com decote convidativo.
Ela saiu da mesa e se dirigiu ao banheiro. Cumprimentou os garçons com um sorriso durante o percurso. Ele ficou lá, aguardando, feliz. Satisfeito com o flerte.
Imaginou Bete em sua cama, lasciva, latejante, sussurrante. Ficou de pau duro, e mudou a posição na cadeira para tentar disfarçar.

Agora no quarto, nua em sua cama, Bete ajeitava o cabelo olhando para um pequeno espelho de bolsa. Jaques deitado, cansado e realizado pensou em casar com aquela moça. Queria foder com ela até o último de seus dias. Ele sorriu pensando algo romântico para dizer quando ela o interrompeu.

- São 200 pratas.
- Como?
- Tenho que ir embora, se pudermos agilizar...
- 200...?

Ela levantou, ele passeou pela última vez os olhos naquele corpo escultural. Sentiu vontade de bater nela. Uma surra. Agarra-la pelos cabelos e joga-la no chão. Chuta-la, bater na cara. Aquela cara de vadia que só ele não tinha percebido. Bater nela por todos os paus que ela já tinha chupado na vida. Por todos os velhos patéticos, como ele, que ela enganou com ar de “moça difícil”. Vagabunda.
Mas ao invés disso se levantou, foi até a carteira e fez um cheque. Claro que ele não tinha 200 pratas na carteira.
Ela, já vestida, pegou o cheque com cara de quem não gosta de receber em cheque. Deu-lhe um beijo na testa e sorriu.

- Tchau Seu Jaques, pode me ligar quando quiser de novo. – E sorriu um sorriso perverso.

Seu Jaques é o caralho, ele pensou. Mas não falou nada. Ainda levou a moça até a porta.

- Bete porra nenhuma... deve ter um nome em cada canto da cidade. - Falou em voz alta depois de fechar a porta. Foi até a geladeira, pegou uma cerveja e sentou na poltrona. Patético. Inconsolável.

A moça foi embora, rapidamente desapareceu na avenida. Tirou da bolsa um chiclete e os óculos escuros. Percebeu que um homem a olhava. Passou rebolando e não deu a mínima bola.


Ariadne Catanzaro