Livre_expressao

segunda-feira, julho 23, 2007

Cinema (de) novo

Cinema (de) novo
Faltam as palavras para te dizer.
Quando tu chegas, me calo.
Já li isso em outras histórias,
Já vi isso em outros filmes.
Por isso, corta.
Já não quero ver cenas repetidas.

Ariadne Catanzaro

segunda-feira, julho 09, 2007

Massagista

Estava andando pelo centro da cidade no meu horário de almoço.
Já tinha matado a fome com um snack qualquer no McDonald’s e aproveitava meu tempo livre para dar uma olhada nas promoções das grandes lojas de sapato, aquelas com música alta e cheia de papeizinhos no chão (para dar uma idéia de ‘lugar animado’, mas que eu acho uma péssima idéia de lugar bagunçado).
Enfim, entre uma loja de sapatos e outra de artigos de informática, avistei um salão de beleza. Olhei para as minhas unhas e quis escondê-las imediatamente. Sim, eu precisava mais de uma manicure do que de um par de sapatos.
Entrei no salão. Estava vazio. Tinha duas mulheres de preto sentadas sem fazer nada, um cabeludo com trejeitos femininos e, lá no fundo do salão, um homem de longo bigode vestindo roupas brancas. Os homens sorriram para mim, as mulheres não.
- Queria fazer a unha.
Uma das mulheres olhou para as outras.
- De quem é a vez?
- Es mia. – Uma mulher com cara de peruana levantou e veio me atender.
Com sotaque latino me mostrou onde eu teria que me acomodar enquanto ela pegava o carrinho com os esmaltes.
O homem de bigode veio na minha direção e perguntou se eu aceitava uma xícara de café.
Incrível. Ele não era alto, nem forte. Era inclusive bem mirradinho. Tinha o cabelo meio cacheado e um bigode bem grande. Como os portugueses estereotipados. Ele era brega. Mas tinha um olhar incrível.
Aceitei o café só para ter um motivo para ele se dirigir a mim novamente.
Ele era o mais calado ali naquele salão.
Enquanto as cabeleireiras, manicures e o cabeludo gay (que devia ser um outro cabeleireiro) conversavam e riam muito, o homem do bigode andava de um lado pro outro do salão, preparando e servindo café ou arrumando a bancada. Era discreto e tinha um olhar sedutor.
Não conseguia acreditar que ele mexia comigo. Estava muito distante do meu tipo de homem, mas o olhar dele me fazia cócegas.
Veio pegar minha xícara quando acabei o café, olhou bem firme nos meus olhos e perguntou se eu queria mais um.
Fiquei com frio na barriga e me senti ridícula por isso.
- Não, obrigada.
Perguntei a Maria, a manicure peruana, se ele era cabeleireiro também.
- Não, ele é o massarrista (massagista com sotaque espanhol).
UAU!!!! Massagista?!!!
Enfim, era bom que eu me apressasse com aquelas unhas para não começar a ter idéias absurdas! Eu logo tinha que estar de volta ao trabalho. E aquilo era ridículo. Ele era mirradinho e usava bigode, afinal de contas!
- Ok, obrigada Maria.
Me dirigi ao caixa para pagar, e o massagista foi me atender.
- São 8 reais.
Dei uma nota de dez. Enquanto ele separava o troco, me perguntou, sem olhar para mim.
- Você gosta de massagem?
Ai massagista, não faça assim...quer que eu perca a linha e comece a gaguejar???
- Sim, gosto.
Ele me deu o troco e abriu um leve sorriso. Bem leve mesmo. Daquele sorriso típico de homem que sabe que é gostoso!!! E um olhar bem blazé, do tipo, você é mais uma cliente que passa por aqui. Nenhum olhar do tipo “quer sair hoje à noite?”. Que nada, ele ainda era difícil!!!
Saí o quanto antes do salão. De unhas vermelhas e uma leve dor nas costas.

Ariadne Catanzaro

sábado, julho 07, 2007

O Cheiro do Ralo: Cinema e Psicanálise

por Sérgio Telles (achei na internet)


Baseado num livro de Lourenço Mutarelli e roteiro de Marçal Aquino, o filme de Dhalia ganhou vários prêmios nacionais e internacionais, e tem recebido uma boa atenção do público.


O protagonista do filme tem o mesmo nome do autor, Lourenço. Ele é dono de uma loja de penhores, onde as pessoas necessitadas de dinheiro vêm vender seus objetos, muitos deles cheios de historias e lembranças pessoais. Ao receber seus clientes, Lourenço sempre explica que o mau cheiro que eventualmente possam sentir decorre de um ralo entupido em seu banheiro, não vem dele mesmo.


Lourenço desiste na véspera de seu casamento, alegando não amar ninguém, nem mesmo sua mãe, a quem a noiva perplexa tenta recorrer de sua decisão. O mundo de Lourenço reduz-se a seu ambiente de trabalho, que mais parece um esquálido depósito de lixo, um amontoado de objetos velhos, e seu apartamento, também inóspito. Passa a se interessar pela garçonete do bar onde faz seus lanches. Ou melhor, pelas nádegas desta garçonete.Lourenço tem uma atitude sádica em relação àqueles que o procuram. Comprando ou não o que eles trazem, ele sempre os humilha e espezinha, avilta e rebaixa, fazendo-os rastejar e implorar, desprezando seus objetos, mais ainda ao saber que eles contem histórias afetivas.


O cheiro do ralo, que tanto preocupa Lourenço, é uma óbvia metáfora de sua culpa. É um sintoma de sua consciência pesada pelos ataques sádicos destrutivos que faz a todos que o procuram, pela forma desrespeitosa e desumana com que os trata. Mas, por outro lado, o cheiro do ralo evoca também o intenso interesse erótico despertado pelas nádegas da garçonete, o "ralo" anal. Assim, para Lourenço, o cheiro do ralo representa o retorno do reprimido, a evidência da culpa por sua agressividade.


Por este motivo, tenta inutilmente tapá-lo, cobri-lo de cimento, o que colocaria em risco todo o edifício, como é advertido pelos pedreiros. Mas também o cheiro do ralo é uma marca de seu erotismo. Estes elementos remetem de imediato o personagem a uma caracterização típica da fixação anal tal como descrita por Freud.


Na verdade, as atitudes e comportamentos de Lourenço se enquadram perfeitamente dentro do catálogo freudiano que descreve essa condição. Ali estão o apego ao dinheiro, a ambivalência ligada às questões de sujeira e limpeza, de ordem e desordem, o ódio e o amor, o erotismo anal, uma sexualidade vivida como suja, etc. Como diz Gabbard, ao interpretarmos um filme, podemos fazer uso do extenso arsenal teórico psicanalítico, utilizando-o de acordo com as problemáticas por ele postas em jogo.


Em "O Cheiro do Ralo", como vimos, o que de imediato se coloca é o referencial freudiano das pulsões parciais, no caso a pulsão anal, tal como descritas nas fases da evolução da libido. Por outro lado, se levarmos em conta que Lourenço está à procura de um pai, impõe-se a problemática edipiana e seus mecanismos constitutivos do psiquismo via identificação. Lourenço cria na fantasia um pai morto na guerra, do qual resgata fragmentos, como o olho e a perna.

É interessante que Lourenço imagine ter perdido o pai numa guerra que o destroçou fisicamente, pois ai, mais uma vez retorna a agressividade anal, a destrutividade vingativa contra aquele que o abandonou. Poderíamos ainda apelar para o instrumental kleiniano e falarmos de um mundo interno composto de objetos parciais ou objetos destruídos, próprios da fase esquizo-paranóide, onde o objeto total não se constituiu.


O próprio ambiente de trabalhos de Lourenço – o amontoado de objetos repetitivos, velhos, quebrados, antiquados – remeteria a este estado mental, representaria um ego formado por objetos parciais ou destruídos, com os quais não consegue se estruturar adequadamente como sujeito, o que o impossibilita de estabelecer relações objetais satisfatórias.

Lourenço tem contato apenas com objetos parciais, como a bunda da garçonete, o olho e a perna de seu suposto pai. É como se Lourenço oscilasse entre a persecutoriedade dos objetos bizarros e destruídos da fase esquizo-paranóide, e a nostalgia de um olhar paterno que o libertasse da especularidade da relação narcísica com a mãe. Em vão procura construir para si uma história, daí seu ódio por aqueles que trazem histórias incrustadas nos objetos que precisam vender. Com seus permanentes ataques sádicos, Lourenço parece querer provocar uma vingança, desejada como a punição merecida por sua agressividade. E é o que termina por acontecer, quando ele finalmente se aproximava de uma relação mais total, mais completa com a garçonete.

O universo mental descrito em "O cheiro do ralo" lembra o filme "O Homem do Prego" ("The Pawnbroker"), de 1964, dirigido por Sidney Lumet e interpretado por Rod Steiger. Ali o responsável pela casa de penhores é um judeu sobrevivente dos campos de concentração. Tal como Lourenço, espezinha e humilha os coitados que a ele recorrem. Aqui a atitude sádica do dono do estabelecimento decorre dos traumas vividos nos campos de concentração.

Os traumas de Lourenço, responsáveis por sua conduta, são apenas entrevistos e construídos hipoteticamente.


A psicanálise continua influenciando muitos diretores e roteiristas. Se no inicio, sua presença era muito evidente e direta, como nos filmes de Buñuel e Hitchcock, hoje em dia ela se manifesta de forma mais sutil, mais indireta, mais sofisticada, como nos roteiros de Woody Allen, Peter Greenaway ou de Charlie Kaufman. Digamos que "O Cheiro do Ralo" está mais próximo dos primeiros do que dos segundos, daí seu sabor um tanto ingênuo ou anacrônico.

domingo, julho 01, 2007

Bad Hair Day

Acordei cedo morrendo de sono.
Levantei com ódio do mundo e fui me arrumar para mais uma segunda feira de trabalho.
Vida indigna.
Eu estava sonhando com a Europa. Sonhava com a Itália, com o Coliseu e a Torre de Piza, e meu despertador me faz questão de lembrar que não são férias, ainda tenho muito trabalho pela frente. O céu ainda estava escuro e o frio me estarrecia.
Levantei assim, nesse bom humor que você pode imaginar.
Depois de um banho ingrato (de manhã nunca dá para tomar banhos longos e relaxantes), vesti a roupa que havia separado no dia anterior e fui para a cozinha tomar um café qualquer.
Obviamente estava o maior trânsito. Nada é tão ruim que não possa piorar, certo?
Eu tinha uma reunião importantíssima. Tudo que eu não podia era me atrasar.
Mas me atrasei.
Cheguei quinze minutos depois e todos já me olhavam com cara de segunda feira.
A reunião nem foi tão produtiva quanto eu precisava que fosse.
Dobrei minhas idéias e as coloquei de volta na pasta.
Antes de me dirigir à minha mesa, fui ao café, esfriar a cabeça e esquentar a garganta.
Minhas mãos estavam geladas e minha boca era incapaz de sorrir aos “bom dias” do caminho.
Sentei sozinha com meu café, acendi um cigarro. Dei um pequeno gole e uma boa tragada. Soltei a fumaça para cima, com os olhos fechados e ouvi a frase inconveniente:
- Posso me sentar ao teu lado?
Quem seria o idiota a me interromper no meu primeiro momento de prazer?
Abri os olhos e só pude perceber sua barba e o cabelo molhado.
- Claro. Fique à vontade.
- Me disseram que a reunião não foi muito produtiva.
Sentou ao meu lado com um delicioso perfume pós banho.
- Todos temos dias ruim.
- Certamente que sim. Bonitas as suas botas.
Uau! Um homem capaz de reparar em suas botas novas, com cheiro de perfume pós banho, só podia ser um enunciado de que a vida poderia ser boa em algum momento.
- Obrigada. - sorri pela primeira vez no dia.
- CARLOTAAAAA! – alguém me arranca o bom humor a me gritar pelo corredor. – Seu celular está tocando!
A estagiária vinha correndo com meu celular a acender luzinhas e apitando uma musiquinha irritante. Não queria mais ter celular.
Atendi sem ver quem era.
- Mãe?
- Oi Gilberto. Tudo bem?
- Mais ou menos. Tem um minuto?
Quando filho pede um minuto pode ter certeza de que vai demorar mais.
- Claro.
Descorreu um interminável discurso sobre minha nora anunciando mais uma separação.
O homem cheiroso ao meu lado se levantou e fez um sinal de tchau.
Sorri esquecendo de escutar meu filho no outro lado da linha.
- Sei filho, sei.
Depois de dezessete minutos de queixa, desliguei com o ouvido quente.
Voltei ao trabalho a pensar que a vida podia ser boa sim. Dei bom dia com sorrisos, exibindo minhas novas botas.

Ariadne Catanzaro